Estudo Bíblico O Espírito Maligno da Parte de Deus


“E o Espírito do SENHOR se retirou de Saul, e atormentava-o um espírito maligno da parte do SENHOR” (I Samuel 16.14).

Como é possível entender que da parte de Deus possa vir um espírito maligno? Parece realmente um contra-senso que um Deus bom e amoroso possa ter ao seu serviço um espírito perturbador como narra o texto.

Teria então Deus prazer em, de alguma, forma assombrar ou perturbar alguém?

Para entendermos o texto devemos antes saber algumas coisas sobre Deus. Em primeiro lugar, Ele é Soberano e Onipotente, isto é, Deus rege tudo e tem todo o poder. Toda a Bíblia apresenta esta realidade incontestável, vejamos: Dt 4.39 mostra-nos que não há outro Deus, 1 Cr 29.12 assevera o poder absoluto do Senhor, Jó 9.12 diz que ninguém o pode impedir, Sl 29.10 diz que o Senhor presidirá para sempre; essas mesmas verdades são apresentadas em muitos outros textos, vamos relacionar somente alguns deles para a sua meditação (Dn 2.20; Mt 6.13; At 17.24; Rm 9.19; Ap 1.8 e Ap 19.6).

Outra verdade sobre Deus que devemos conhecer é que Ele mesmo estabeleceu a lei da reciprocidade, isto é, cada um colhe o que planta, leia:

“Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gálatas 6.7).

Deus estabeleceu paradigmas que, quando são violados geram consequências. Certamente o homem pode escolher viver dentro do propósito de Deus ou transgredi-lo (Dt 28; Js 24.15), colhendo a devida recompensa por suas atitudes.

Concluímos então que Deus é Soberano, está no controle de tudo incluindo os seres espirituais; o homem em livre poder de escolha e que Deus estabeleceu leis para reger toda a criação.

Então o que realmente significa o texto de 1 Sm 16.14?             

Ao lermos o contexto do versículo em apreço, vamos encontrar no capítulo 15 versículo 11 a Palavra do Senhor dizendo: “Arrependo-me (antropopatismo = figura de linguagem que atribui sentimentos à divindade) de haver posto Saul como rei; porquanto deixou de me seguir e não executou as minhas palavras. Então Samuel se contristou e toda a noite clamou ao Senhor”. Leia também o versículo 23 que compara o pecado de Saul com o pecado de feitiçaria e declara a rejeição de Deus a Saul.             

A situação de Saul por causa de seu pecado ficou literalmente perturbadora.  A Bíblia de Estudo Pentecostal (CPAD) em sua nota de rodapé explica o texto da seguinte maneira:

“Por Saul rebelar-se contra a vontade de Deus, foi entregue à influência demoníaca (ver 15.23). Os espíritos malignos agem sob a vontade permissiva de Deus, e, às vezes, sob sua vontade direta (Jz 9.23; 1 Rs 22.19-23; ver também Lc 11.26 nota; 22.3; Rm 1.21-32; 2 Ts 2.8-12;...)”.

Podemos observar que realmente Deus tem controle sobre tudo, inclusive sobre Satanás. No livro de Jó vemos Satanás apresentando-se diante de Deus (1.6), questionando a substância da fé de Jó (1.9,10), e dizendo:

“Mas estende a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema de ti na tua face!” (Jó 1.11).

Observe que Satanás pede para Deus estender a mão e tocar em Jó para prová-lo, no versículo 12 Deus usa o próprio Satanás como seu instrumento. A soberania de Deus é de tal forma inquestionável que, como Lutero podemos dizer “que o diabo é o diabo de Deus”, no sentido de que a autoridade de Deus é exercida sobre todos os seres e coisas e usa a quem desejar para fazer cumprir o seu propósito.

Ainda com relação ao texto outros autores apresentam comentários que ajudam elucidar o texto.

N. R. Champlin, em sua obra “O Antigo Testamento Interpretado Versículo por Versículo” discorre sobre o assunto da seguinte maneira:

“... Então um mau espírito (sob o controle de Yahweh, a causa de todas as coisas) anulou todo o bem que havia nele, substituindo-o pelo mal, Josefo apresentou Saul como possuído pelo demônio, por meio de quem, em certa ocasião, quase foi sufocado e estrangulado... Diríamos que as condições deterioradas de Saul permitiram que um mau espírito assumisse o controle de sua vida, e Yahweh estabeleceu a lei da colheita segundo a semeadura, que transformou isso em realidade”.

Gleason Archer em sua obra “Enciclopédia de Dificuldades Bíblicas” analisando 1 Sm 18.10 diz:

“... Como aquele que ordenou e preservou a ordem moral, é absolutamente necessário que ele traga punição ao pecado, sem considerar-se quão grande amor e compaixão o Senhor possa sentir pelo pecador. No caso de Saul, esse homem havia conscientemente quebrado a Lei de Deus. Primeiro profanou o altar de Deus, ao executar um sacrifício sacerdotal que contrariava a ordem divina (1 Sm 13.12,13) e, em segundo lugar, ao poupar o rei Agague e certa porção do gado dos amalequitas, embora houvesse recebido ordens para executar a todos (1 Sm 15.20-23)... Por causa desses sucessivos atos de rebelião contra a Lei e a vontade de Deus, ele tornou-se passível de sofrer a influência de Satanás, da maneira exata como Judas Iscariotes deixou-se influenciar pelo diabo, ao decidir-se que trairia o Senhor Jesus (Jo 13.2). Visto que Deus estabeleceu as leis de causa e efeito, é certo e exato afirmar que a desobediência de Saul cortou-lhe o acesso à orientação do Espírito Santo e sua comunhão com ele. Agora, ele se tornara presa do espírito maligno da depressão e do ciúme que o empurrou cada vez mais na direção da paranóia irracional...”.

O comentário desse autor é muito pertinente, deveríamos meditar nesse texto, observando a ação de Saul, a reação de Deus e as consequências para o ministério de Saul e tirar lições para serem aplicadas em nossos dias, onde parece que os fatos tornam a se repetir. Ser chamado por Deus não nos dá o direito de usurpar ministério alheio. Um curso teológico, um cargo ou qualquer outra coisa não nos habilita a agir de forma inconsequente, devemos sempre estar humildemente debaixo da orientação de Deus, de nossas lideranças para que não aconteça de sermos reprovados pelo Senhor.

Joyce G. Baldwin em seu livro “I e II Samuel – Introdução e Comentário” discorre sobre o assunto:

“O Espírito do Senhor se retirou de Saul, como havia feito com Sansão (Jz 16.20), havendo consequências igualmente trágicas, pois Saul passou a ser perturbado por um espírito maligno da parte de Senhor. Embora aqui deva-se ler maligno no sentido de arruinador (assim como diz a NVI na margem). No caso do rei Saul, é importante observar que os sinais de doença mental só começaram a aparecer depois do confronto com Samuel sobre a questão da obediência à ordem divina. Isso indica que sua enfermidade devia-se à sua rebelião contra Deus; certamente, ele foi considerado responsável por suas ações e considerava a si mesmo responsável (1 Sm 24.16-21; 26.21)”.

Em resumo, podemos concluir além da soberania de Deus e seu controle de todas as coisas, que realmente o homem é responsável por seus atos (Ez 18.4) e com certeza vai colher o resultado de sua semeadura.

Por outro lado podemos descansar no texto que diz:

“... mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca” (1 Jo 5.18b).

AAutor: Roberto Carlos Cruvinel