Se Eu Fosse Você Tomava Mais Cuidado...


A vocação primordial do ser humano é o cuidado. Antes mesmo de ser lançado no mundo, teve que fazer um estágio no Éden, jardim plantado pelo próprio Deus (Gênesis 2:8).  Sua missão ali era ser o seu guardião (Gênesis 2:15).

Diferente da floresta, onde tudo cresce desordenadamente, um jardim é caracterizado pela simetria e harmonia. Seu trabalho consistia em guardar (preservar) e lavrar (desenvolver).

Nada passa despercebido ao olhar atento do jardineiro. Além de determinar o lugar onde cada espécie deve desenvolver-se, ele as poda, rega, e protege das pragas. 

Engana-se quem sustenta que o trabalho foi resultado da maldição proferida por Deus depois da queda do homem. Desde que fora criado, Adão não teve um dia de folga. Trabalhar, muito mais do que um dever, era seu prazer. Conferia-lhe propósito à existência.

A terra era-lhe favorável, correspondendo aos seus cuidados, fornecendo-lhe flores e frutos, odores e sabores, cores e texturas prodigamente variadas.

O pecado estragou tudo. Além de comprometer sua relação com o Criador, também complicou sua relação com o resto da criação. A terra já não produziria apenas frutos, mas também espinhos e cardos, resposta da criação à vaidade humana.(Gênesis 3:17-19)

Um novo fator seria acrescentado à equação da vida: a dor. A terra agora seria também regada pelo suor do homem. O que antes era por puro prazer passara a ser um encargo, um dever que se negligenciado apressaria a chegada da morte.

Desde então a criação geme submetida à vaidade da raça que fora criada para ser sua guardiã. Tornamo-nos seu pior pesadelo. Cataclismos como enchentes, furacões, tsunamis, estão entre os ‘cardos e espinhos’ produzidos pela terra como anticorpos para combater a praga humana que se alastra.

A queda transformou guardiões em predadores, anjos em monstros, humanos em demônios.

A história do Éden é recapitulada por cada um de nós. Tudo o que Deus nos tem confiado consiste em nosso jardim particular; isso inclui nossos amigos, familiares, igreja, finanças, e o nosso próprio coração.

Tal qual Adão, teremos que prestar contas do que fora colocado sob nossos cuidados. E não adianta acusar a mulher, os pais, o chefe, o vizinho, ou o próprio diabo. Aliás, se a serpente entrou em nosso paraíso, não foi por descuido de Deus, mas por termos falhado como guardiões. Talvez por isso Paulo tenha sido tão incisivo: “Não deis lugar ao diabo.” (Efésios 4:27)

O cuidado deve começar pelo ambiente do nosso coração. É dali que “procedem as fontes da vida” (Efésios 4:27). Toda jardim que se preze tem uma fonte, da qual procede a água que irriga o seu solo. O chafariz que se exibe no centro do jardim não visa somente embelezá-lo, mas manter as águas em movimento, evitando assim a concentração de larvas de insetos.

Nosso coração é este chafariz no centro do jardim, que inspira cuidados especiais. O que afetá-lo certamente afetará todo o jardim. De acordo com outra passagem, devemos ter cuidado para que não nos privemos da graça de Deus, permitindo que alguma raiz de amargura brote em nosso coração, o que, além de perturbar-nos, certamente contaminaria ao nosso círculo de relacionamentos.(Hebreus 12:15)

Devemos estar alertas ao menor sinal de amargura que surja em nossa alma. São essas raízes amargas que produzem espinhos e cardos que ferem a nós mesmos, e, por conseguinte, aos nossos amigos, afetando assim aos nossos relacionamentos. Só deixemos brotar sentimentos que correspondam aos mesmos que houve em Cristo.(Filipenses 2:5)

E não basta cuidar do que sentimos. Devemos cuidar igualmente daquilo em que cremos. Por isso, Paulo admoesta a seu pupilo Timóteo a que tivesse cuidado de si mesmo e da doutrina, perseverando nisso para que salvasse a si mesmo e aos que lhe ouvissem (1 Timóteo 4:16). Somos todos formadores de opinião. Qualquer coisa que dissermos poderá influenciar a outros para o bem ou para o mal. Há que se ter redobrados cuidados.

Uma vez tendo dispensando os devidos cuidados ao coração (àquilo que se sente e que se crê), devemos voltar nossa atenção para o resto do jardim, a começar pela nossa família. Afinal, “se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o incrédulo”. Quem ama, cuida. Quem não cuida, perde (1 Timóteo 5:8). Toda nossa ortodoxia cai por terra se não for seguida de zelo por aqueles que nos foram confiados.

O cuidado que temos pelos familiares deve ser extensivo aos da família da fé. Como membros do Corpo Místico de Cristo, devemos ter “igual cuidado uns dos outros” (1 Coríntios 12:25). Somos todos co-pastores na sagrada tarefa de apascentar o rebanho de Deus. E tal cuidado reflete o amor que temos para com o próprio Deus. Cuidar do que é d’Ele é a  melhor maneira de declarar-Lhe nosso amor. Ao responder à pergunta feita por Jesus, afirmando amar-Lhe, Pedro ouviu dos lábios do Mestre: “Apascenta os meus cordeiros” (João 21:15). Ele não se impressiona com mãos erguidas aos céus se essas mesmas mãos não forem estendidas ao próximo em demonstração de cuidado e amor. Bom seria se todos os pastores e líderes ouvissem atentamente à admoestação de Pedro:

“Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto.” 1 Pedro 5:2

O rebanho não é nosso. Portanto, ninguém tem o direito de dominá-lo a seu bel-prazer. O Supremo Pastor no-lo confiou para que o apascentássemos com amor.

Geralmente, pastores pensam que se dever está circunscrito ao rebanho que lhe foi confiado. Por isso, muitos trabalhando por seu império particular, e não pelo Reino de Deus. Raríssimos são os que se preocupam com ovelhas de outros redis. O lema dos tais é “cada um por si e Deus por todos.” Porém, Deus não poderá ser por quem pensa desta maneira. Em vez disso, deveríamos fazer coro com Paulo ao dizer: “Além dessas coisas exteriores, há o que diariamente pesa sobre mim, o cuidado de todas as igrejas' (2 Coríntios 11:28). Se pertence ao Senhor, logo merece toda a nossa preocupação. Não devemos, portanto, “ser vagarosos no cuidado”, mas “fervorosos no espírito, servindo ao Senhor”.(Romanos 12:11)

Ademais, o mesmo apóstolo diz que não devemos atentar apenas para o que é propriamente nosso, “mas cada qual também para o que é dos outros" (Filipenses 2:4). Portanto, mesmo que não pertença ao Senhor, se pertence ao meu semelhante, devo torná-lo alvo de meus cuidados.

O cuidado que se requer de nós não tem prazo de validade. Não deve ser visto como um mandato político que termina tão logo tenhamos chegado ao seu fim. De acordo com o escritor sagrado, cada um de nós deve mostrar  “o mesmo cuidado até ao fim, para completa certeza da esperança" (Hebreus 6:11)

Enquanto cuidamos com fervor do que nos tem sido confiado, o próprio Pai Celestial estende Seus cuidados especiais a nós. De modo que não sejamos consumidos pela ansiedade, mas sintamo-nos acolhidos, amados, protegidos pelo manto de Sua inefável graça.(1 Pedro 5:7)

Este cuidado implica não somente que sejamos amparados, mas também aparados. Para que cresçamos e frutifiquemos, nosso Jardineiro não nos poupará de sermos podados. Por mais dolorida que seja a poda, ela é necessária para que sejamos livres dos nós que impedem o fluxo da seiva da vida, responsável pelas flores e frutos que produzirmos.(João 1)

| Autor: Hermes C. Fernandes | Divulgação: EstudosGospel.Com.BR |