Estudo Bíblico O Conselheiro Cristão - Parte 2


As qualificações do conselheiro

Quando trabalhava na Imprensa Metodista, na outrora pequena e encantadora São Bernardo do Campo, pus-me a ler, certa vez, alguns trechos do Diário de Wesley. De início, não encontrei um teólogo; deparei-me logo com um admirável condutor de almas. Naquele cavalheiro inglês, destacava-se o amor daquele que se desfizera em desígnios para reconduzir-nos a Deus; era um amor provado e sacrificial.

Em suas visitas pastorais pela Inglaterra do século XVIII, onde o sofrimento humano era grande, aprumava-se Wesley em seu cavalo e, internando-se por aqueles sombrios condados, punha-se a confirmar as ovelhas do Cristo. Nesta casa, deixava um consolo; naquela, administrava uma exortação; mais além, aplicava uma admoestação paterna; edificantes e amorosas palavras semeadas num campo já exausto de esterilidades.

Naquele cavalariano solitário, reuniam-se as qualificações todas de um conselheiro comprovadamente bíblico. Sabia ele que a saúde do rebanho de Cristo somente seria possível se cada uma de suas ovelhas viesse a receber todo o bálsamo que nos proporciona a Palavra de Deus.

Se neste ministério quisermos ter êxito, cultivemos, diuturnamente, as qualificações que tornam o ministro um autêntico conselheiro. Caso contrário, as almas que nos foram confiadas pelo Sumo Pastor jamais terão saúde espiritual.

I. VOCAÇÃO ESPECÍFICA

Afirmou Samuel Johnson que “a maioria dos homens possui fortíssimo e ativo preconceito em favor da sua própria vocação”. O que escreveu Johnson cumpre-se na vida de muitos obreiros de Cristo. À semelhança de Gregório Nazianzeno, preferimos sempre a tribuna, mesmo que a circunstância nos reclame a privacidade do gabinete. Queremos ser pastores do rebanho, mas não da ovelha solitária e sofrida.

Como agia o Maravilhoso Conselheiro?

Se num momento pronunciava à multidão sequiosa o Sermão do Monte, no outro, ei-lo a receber o confuso Nicodemos. Se agora acha-se a discursar no átrio do Santo Templo, daqui a pouco estará instruindo a mulher pecadora. E se logo mais ocupará a tribuna de alguma sinagoga para discorrer acerca das profecias messiânicas, depois, certamente, haverá de se recolher com algum publicano para falar-lhe dos mistérios do Reino de Deus.

Com o Maravilhoso Conselheiro, aprendamos este princípio básico: Se aspiramos ao episcopado, aspiremos também ao ministério do aconselhamento. Pois todo pastor é um conselheiro, apesar de nem todo conselheiro ser pastor. Há cristãos que, embora não hajam sido chamados ao pastoreio, sentem-se vocacionados a administrar os conselhos de Deus.

Doutor dos gentios e mestre consumado das Sagradas Escrituras, sabia Paulo que uma de suas missões era, justamente, o aconselhamento. Aos presbíteros de Éfeso, protestou: “Nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus” (At 20.27). Aliás, era o apóstolo um conselheiro que gerava conselheiros. Na Macedônia, aconselhara Priscila, que aconselhou o esposo Áquila. E já devidamente fundamentados na fé cristã, vão ambos aconselhar o impetuoso e eloqüente Apolo: “E chegou a Éfeso um certo judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, varão eloqüente e poderoso nas Escrituras. Este era instruído no caminho do Senhor; e, fervoroso de espírito, falava e ensinava diligentemente as coisas do Senhor, conhecendo somente o batismo de João. Ele começou a falar ousadamente na sinagoga. Quando o ouviram Priscila e Áqüila, o levaram consigo e lhe declararam mais pontualmente o caminho de Deus” (At 18.24-26).

Eram Priscila e Áquila ministros formalmente reconhecidos pela comunidade cristã? O que sabemos é que, chamados a ministrar conselhos, foram imprescindíveis na formação de um jovem que seria contado entre os campeões de Deus.

II. PREDISPOSIÇÃO PARA AMAR SACRIFICIALMENTE

Ao longo de minha vida, encontrei pessoas que — investindo em mim não somente o seu tempo, mas o próprio coração — aconselharam-me nas crises e souberam como orientar-me nos dilemas e tormentas. Minha mãe lia-me, todas as noites, os Provérbios de Salomão. Com uma simplicidade que beirava a singeleza, mostrava-me que o êxito na vida não é um simples acaso; é o resultado de uma existência comprometida com Deus. Passados já todos estes anos, aquelas dissertações ainda me norteiam, apontando-me o rumo a seguir.

Nem todos os conselhos de meu pai eram serenos. Às vezes, impunha-me ele dura disciplina, dissuadindo-me a não seguir caminhos tortuosos. Se naquele momento o castigo parecia pesado, nos instantes de crise nem castigo parecia; era uma instrução sem palavras que, agora, ia traduzindo-se em amorosas prevenções. Muito aprendi com aquele homem que, prematuramente, foi recolhido pelo Senhor. Houvesse-lhe eu seguido todos os conselhos, certamente meus êxitos teriam sido bem maiores.

Até o dia de hoje, procuro minha mãe para buscar aquele conselho natural e espontâneo, mas eficaz. Um conselho desprovido de academicismos, porém carregado de sabedoria; um conselho sem retórica, entretanto eloqüentíssimo; um conselho sem a tecnicidade de uma psicanálise, todavia capaz de me ler o coração e decifrar-me os enigmas da alma; um conselho gratuito, no entanto amorosamente inestimável.

Se você almeja aperfeiçoar-se no ministério do aconselhamento, ame como o Senhor amou. O amoroso conselheiro não se limita a aconselhar; dá-se ele em prudências e encorajamentos. Não se enfada em ouvir agruras alheias; toma-as para si. Não se perturba com as lágrimas; ternamente as chora. Não alimenta falsas expectativas; aviva as esperanças mesmo onde não há esperança alguma para reavivar. Não analisa o aconselhado como se fora este uma cobaia; sintetiza o bálsamo da fé e ministra-o ao enfermo. O amoroso conselheiro ama em conselhos e em conselhos entrega-se às ovelhas de Cristo, pois amando-nos Ele com um amor eterno, fez de seu apostolado um ministério de aconselhamento. Do início ao fim de seu sacerdócio terreno, sacrificialmente aconselhou aqueles a quem Deus tanto ama.

III. CONHECIMENTO BÍBLICO E TEOLÓGICO

Num momento bastante confuso de minha adolescência, fui procurar o maestro Walter de Morais que, naquela época, regia a orquestra da Assembléia de Deus em São Bernardo do Campo. Diante de minhas angústias, aquele homem calmo e sem pressa pôs-se a aconselhar-me como se visse ali, bem à sua frente, um jovem que, sequer, sabia ler o interlúdio da vontade de Deus. No compasso certo, respeitando os acidentes e pausas de uma vida ainda sem harmonia, ia o irmão Walter ajudando-me a solfejar aquele drama numa clave de sol, até que os raios da Palavra de Deus vieram a espargir-me a alma. Com a batuta de quem sabe conduzir os mais diversos instrumentos, ensinou-me ele a andar no ritmo que o Senhor Jesus prescreve aos seus filhos.

Qual o segredo daquele conselheiro? Era um teólogo profundo e prático.
Hoje, infelizmente, valoriza-se muito mais a psicologia humanista do que a teologia. E nem por isso os problemas emocionais entre os crentes diminuíram. Não pense você que estou abrindo uma guerra contra os psicólogos cristãos; reconheço o seu labor e o seu esforço como auxiliares no aconselhamento; alguns problemas lhes reclamam a intervenção. Não podemos esquecer-nos, todavia, de que, nesse ministério, a Bíblia Sagrada é imprescindível como imprescindível é o conhecimento das doutrinas cristãs.

IV. EXPERIÊNCIAS RELEVANTES

Jesus era um homem de dores e que sabia o que era padecer. Com as nossas angustias, amargurou-se Ele; com os nossos sofrimentos, foi a sua alma profundamente lacerada. Ao descrever-lhe a paixão, profetiza Isaías que os homens haveriam de esconder o rosto de nosso Senhor, pois a sua face, embora divina, humanamente desfigurara-se. Todo esse sofrimento, porém, proporcionou-lhe as necessárias condições para que fosse reconhecido como o Maravilhoso Conselheiro.

Como Deus, não carecia o Senhor de experiências humanas para aconselhar os homens. No entanto, como homem, mostrou sua divindade pelas experiências que teve de nossa humanidade. Demonstra-nos isso que o conselheiro pastoral, para ter êxito em seu ministério, necessita de conhecimentos práticos e relevantes. Doutra forma, ser-lhe-ão insuficientes as teorias; não poderá confirmar e fortalecer as ovelhas de Cristo.

Vejamos as indispensáveis experiências no ministério do aconselhamento.

1. A experiência com Deus. O verdadeiro teólogo não pode ser um mero teórico; ele é, acima de tudo, um homem que conhece a Deus de modo experimental. E se experimentalmente conhece a Deus, não haverá de ignorar a alma humana, pois esta carrega em si a imagem e semelhança do Criador. É exatamente aí que reside o requisito básico de um conselheiro pastoral. Mas em que consiste, exatamente, essa experiência com Deus?

Se o psicólogo humanista presume cuidar da mente humana, prescindindo de sua experiência com Deus, o mesmo não acontece com o conselheiro cristão. O primeiro imagina ser a ciência a resposta para todos os dramas humanos; o segundo está convicto de que somente Deus é capaz de nos preencher o vazio da alma.

Por conseguinte, é imprescindível que o conselheiro conheça experimentalmente a Cristo. Doutra forma, não será cristão nem conselheiro. Haja vista Nicodemos. Embora mestre e orientador espiritual em Israel, ignorava que, sem a genuína conversão, jamais poderia ensinar os judeus. Por isso exorta-o Cristo com uma pergunta intrigante: “Tu és mestre de Israel e não sabes isso?” (Jo 3.10). Não era Nicodemos uma perfeita figura dos psicólogos seculares que, apesar de seus esforços, buscam curar as feridas de seus clientes, sendo que eles mesmos são pacientes em estado terminal?

2. Experiência de vida. A experiência de vida é a soma de todos os conhecimentos, vividos ou presenciados, que nos habilitam a agir de forma sábia e piedosa diante de Deus e dos homens. Ela é imprescindível ao conselheiro pastoral, pois não lhe basta a vocação; aliada a esta acha-se a experiência.
Dirigindo-se aos coríntios, Paulo evoca-lhes os sofrimentos e angústias da vida cristã. Se por um lado as angústias e sofrimentos trazem-nos desconfortos, por outro, proporcionam aos atribulados um bálsamo de indescritível poder curador. Ouçamos o apóstolo:

"Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda consolação, que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados de Deus. Porque, como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também a nossa consolação sobeja por meio de Cristo. Mas, se somos atribulados, é para vossa consolação e salvação; ou, se somos consolados, para vossa consolação é, a qual se opera, suportando com paciência as mesmas aflições que nós também padecemos. E a nossa esperança acerca de vós é firme, sabendo que, como sois participantes das aflições, assim o sereis também da consolação” (2 Co 1.3-7).

É por isso que o neófito não pode ingressar no ministério cristão. Não lhe discutimos a conversão nem a chamada; questionamos-lhe, entretanto, o tempo de investidura num cargo que requer experiências, que demanda vivência com as dores alheias, que reivindica uma parecença com aquele Homem de dores e que sabia o que era padecer.

A experiência não pressupõe necessariamente madureza biológica. Há velhos inexperientes como há jovens experimentados e sábios. Em Eclesiastes, afirmou Salomão: “Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato, que se não deixa mais admoestar” (Ec 4.13). O legítimo conselheiro, pois, é o que, antes de aconselhar, busca o conselho na Palavra de Deus e com os que lhe são mais sábios e experimentados. Sua pobreza material não lhe desmerece a riqueza do saber. Não é rei, mas a sua palavra impera nos momentos difíceis daqueles que lhe buscam orientação.

O pastor de minha infância não tinha ainda trinta anos quando foi convocado para integrar o Conselho de Doutrina da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Entre os mais velhos, portava-se ele como discípulo, ainda que pudesse erguer-se como mestre. Foi assim que o pastor Roberto Montanheiro firmou-se como um grande pastor de almas; estava o conselho divino permanentemente em seus lábios. Se por um lado buscava conselho, por outro, ministrava-o alegremente, abrindo a Bíblia Sagrada que, sublinhada de várias cores, mais parecia o arco de Deus numa permanente aliança com o seu povo.

V. HUMILDADE

Por seus contemporâneos, era Sócrates tido como o maior dos conselheiros. Ao contrário dos sofistas, que se interessavam apenas por fama, riqueza e poder, punha-se o filósofo grego a discutir com os seus interlocutores até que estes reconhecem a sua ignorância. Ele, porém, não se considerava sábio. Modéstia? Hipocrisia? Ou apenas o reconhecimento de alguém que, diante da vastidão da alma humana, é obrigado a admitir a própria insignificância?

Conta-se que, certa feita, chamaram Pitágoras de sábio. O pensador, entretanto, diante de um tão elevado epíteto, respondeu: “Não sou um sábio; sou apenas um amigo da sabedoria”. Em termos mais específicos: “Não sou um sofos; sou apenas um filosofo”.

Se algum conhecimento temos, de Deus o recebemos. Do Senhor, e somente dEle, vêm-nos a iluminação: Ele é o Pai das luzes (Tg 1.17). Confessemos, pois, nossas limitações como o fez Daniel diante do rei da Babilônia: “E a mim me foi revelado este segredo, não porque haja em mim mais sabedoria do que em todos os viventes, mas para que a interpretação se fizesse saber ao rei e para que entendesses os pensamentos do teu coração” (Dn 2.30). Não era Daniel o mais sábio conselheiro de Nabucodonosor? Não tinha ele conhecimentos e dons sobrenaturais? Todavia, reafirma a sua completa dependência de Deus.

No ministério do aconselhamento, deparamo-nos com situações tão difíceis e enigmáticas que, diante destas, nos faltam palavras. À semelhança de Eliseu, vemo-nos constrangidos a confessar: “Que te hei de eu fazer?” (2 Rs 4.2). Naquele momento, não sabia o profeta como resolver o problema da pobre e endividada viúva que estava prestes a perder ambos os filhos a um credor incompassivo. Todavia, Deus lhe ilumina a mente e com a iluminação nasce o milagre.

Nem sempre receberemos a iluminação no desempenho do aconselhamento pastoral. Nessas horas, tranqüilizemos o nosso consulente: apesar de não termos condições de ajudá-lo, iremos orar e aconselhar-nos com outros colegas, a fim de termos uma imagem mais definida do problema. O bom conselheiro, quando necessário, busca conselho para ajudar aos que lho pedem. O reconhecimento de nossas limitações não haverá de nos desmerecer diante das ovelhas. Pelo contrário! Devotar-nos-ão maior respeito; sabem elas que, como homens de Deus, jamais iremos agir leviana e afoitamente.

CONCLUSÃO
O que faz o conselheiro não é a erudição, é a sabedoria espiritual; não é a eloqüência, é a palavra ungida; não é o domínio das línguas originais, é o controle da própria língua e a discrição no falar; não é o brilho da personalidade, é o caráter provado e íntegro. Sem a integridade de caráter, o conselheiro bíblico inexiste.

Tem você essas qualificações? Sente-se habilitado a desempenhar semelhante tarefa? Se você foi, realmente, chamado para ser um conselheiro pastoral, busque aperfeiçoar-se neste ministério. Ore. Consagre-se. Leia a Bíblia Sagrada. Estude as doutrinas bíblicas. Medite. Procure entender o seu semelhante. Acima de tudo, ame; ame sacrificialmente. Interceda por aqueles que buscam não somente o seu conselho, mas um arrimo nos momentos de provações e amarguras.

Você não foi chamado para ser um profissional do aconselhamento. Chamou-o Deus, a fim de que você atue como um ministro do conselho e da palavra da sabedoria.

Obs.: Para outras informações sobre o ministério do aconselhamento pastoral, leia o Manual do Conselheiro Cristão da CPAD.

| Autor: Claudionor Andrade | Divulgação: EstudosGospel.Com.BR |