Bem-aventuranças - O Caráter dos Cidadãos do Céu

Jesus abriu este importante sermão com uma série de oito declarações, pungentes e paradoxais, tradicionalmente conhecidas como as bem-aventuranças (Mateus 5:2-12). Elas devem ter caído como raios sobre aqueles ouvidos judeus do primeiro século. Uma fórmula para sucesso mais improvável poderia dificilmente ter sido imaginada. Elas assaltavam cada conceito da sabedoria convencional e deixavam o ouvinte chocado e perplexo. Deste modo, Jesus captura a atenção de sua audiência e insiste no caráter essencial do reino de Deus e seus cidadãos.

O mundo todo, então como agora, estava em busca, diligentemente, da felicidade e tinha tampouco uma concepção de como obtê-la, como os homens de hoje. Não houve surpresa no anúncio de que havia verdadeira bem-aventurança no reino. O choque veio com o tipo de povo que estava destinado a obtê-la.

As bem-aventuranças falam exclusivamente de qualidades espirituais. As preocupações históricas do homem, riqueza material, condição social e sabedoria secular, não recebem simplesmente pouca atenção, elas não recebem nenhuma. Jesus está claramente esboçando um reino que não é deste mundo (João 18:36), um reino cujas fronteiras não passam através de terras e cidades, mas através dos corações humanos (Lucas 17:20-24). Este reino totalmente improvável chegou, conforme anunciado, no primeiro século (Marcos 9:1; Colossenses 1:13; Apocalipse 1:9), porém muitos estavam despreparados para reconhecê-lo e aceitá-lo, assim como estão hoje.

Deve ser notado, ainda mais, que as qualidades do cidadão do reino não somente eram espirituais, mas são virtudes que o homem não receberia naturalmente. Elas não são o produto da hereditariedade ou do ambiente, mas da escolha. Ninguém, jamais, cai displicentemente nestas categorias. Elas não acontecem no homem naturalmente, e são de fato distintamente contrárias à segunda natureza que o orgulho e a ambição têm feito prevalecer nos corações de toda a humanidade.

Talvez não haja verdade mais importante a ser reconhecida sobre as bem-aventuranças do que o fato que elas não são provérbios independentes, que se aplicam a oito diferentes grupos de homens, mas são uma descrição composta de cada cidadão do reino de Deus. Estas qualidades são tão entrelaçadas num tecido espiritual que são inseparáveis. Possuir uma é possuir todas e não ter uma é não ter nenhuma. E como todos os cristãos têm que possuir todas estas qualidades de vida no reino, eles estão também destinados a receber todas as suas bênçãos; bênçãos que, como suas qualidades, são apenas componentes de um prêmio; um corpo chamado em uma só esperança (Efésios 4:4).

Em suma, então, as bem-aventuranças não contêm uma promessa de bênção sobre os homens em seu estado natural (todos os homens choram, mas certamente nem todos serão consolados, 5:4) nem de fato oferecem esperança àqueles que parecem cair numa categoria ou noutra. Elas são um quadro composto do que cada cidadão do reino, não somente uns poucos super-discípulos, têm que ser. Elas marcam a diferença radical entre o reino do céu e o mundo dos outros homens. O filho do reino é diferente naquilo que ele admira e valoriza, diferente naquilo que ele pensa e sente, diferente naquilo que ele procura e faz. É claro que, antes, jamais houve um reino como este.

Um reino para os pecadores e os humildes

Tem havido muitas abordagens do conteúdo específico das bem-aventuranças. Muitos sentem que há uma progressão de pensamento evoluindo através delas, que começa com uma nova atitude para consigo mesmo e para com Deus, passa a uma nova atitude para com os outros, e culmina com a reação do mundo a esta mudança radical. Há certo mérito nesta análise e, se tal esquema nítido coincide ou não com a ordem real das bem-aventuranças, as idéias certamente estão ali. Para uma sociedade governada por algumas concepções errôneas sérias do reino de Deus, as bem-aventuranças fazem duas afirmações básicas. Primeiro, que o reino não está aberto aos que se julgam virtuosos e aos presunçosos, mas ao pecador suplicante e vazio que chega procurando por ele. Segundo, que o reino não é para o poderoso que obtem o que deseja pela riqueza ou pela violência, mas para uma companhia de homens pacientes, que abrem mão, não somente de suas vontades, mas até dos seus direitos, em prol das necessidades dos outros.

Ainda que não explicitamente declarado (Jesus não haveria de falar claramente de sua morte até um ano mais tarde, Mateus 16:21), não há nada mais óbvio no seu sermão do que a verdade central do evangelho que a salvação é pela graça de Deus. Aqui o pré-milenarista está palpavelmente errado. Como poderiam homens e mulheres tão famintos de justiça (5:6) e tão necessitados de misericórdia (5:7) encontrar lugar num reino governado por um sistema só de lei? E quem poderia imaginar que cidadãos do reino terrestre imaginado pelos pré-milenaristas haveriam de sofrer perseguição (5:10-12)? A justiça do reino não repousa num sistema de lei, mas sobre um sistema de graça. Seus santos padrões são atingíveis pelos homens pecadores (5:48). De outra maneira, o Sermão da Montanha haveria de ser fonte de maior desespero do que a lei de Moisés (Romanos 7:25).

Autor: Compilado Diversos