A Videira Verdadeira

Disse Jesus aos seus discípulos: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor” (João 15.1). O Mestre utilizava figuras relacionadas ao cotidiano para falar de fatos espirituais. Aquela alegoria faz parte do discurso de encerramento do ministério terreno de Cristo.
Grande parte da sua obra pessoal na terra já estava concluída. Era chegada a hora de passar mais responsabilidades aos discípulos. Dentro de poucos dias, Cristo subiria ao céu. Portanto, caberia aos seus seguidores a tarefa de frutificar, dando continuidade ao que ele mesmo vinha fazendo. A videira frutifica através de seus ramos. Hoje, Cristo age na terra por meio da sua igreja.
Cristo é “a” videira e não “uma” videira. Ele é a única opção para quem quiser vida espiritual. Quem não estiver em Cristo, secará e será lançado ao fogo (João 15.6).

A figura da videira nos traz uma série de lições:

Fica evidente a unidade entre Cristo e seus discípulos.
Se alguém nos fere, ele também sente. A relação entre Cristo e os discípulos acompanha o modelo da relação existente entre Cristo e o Pai (15.9,10,15).

O discípulo é dependente de Cristo.

Os ramos dependem da árvore para terem vida, sustento, crescimento, produção de folhas, flores e frutos. Tudo isso é possível por causa da seiva que percorre o interior da planta a partir das raízes. Nenhum cristão pode se julgar independente de Jesus ou dos irmãos. Um ramo depende também do outro. A comunhão é fundamental. Desligamento e isolamento trazem a morte. Se todos os ramos forem cortados, o tronco sobrevive e lança renovos. Entretanto, nenhum ramo sobrevive sem a árvore. Não podemos abandonar o evangelho e afastar da igreja. Não podemos viver sem Cristo.

Os ramos tem a natureza na árvore. Se estamos ligados a Jesus, temos a sua natureza em nós (IIPd.1.4). Na medida em que a natureza de Adão vai sendo superada, passamos a nos parecer cada vez mais com Jesus.

Permanência

No texto de João 15, Jesus enfatiza o estar e o permanecer (15.4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 16). Não basta estar ligado a Cristo por algum tempo. Nosso compromisso não deve ser provisório ou ocasional mas contínuo e irrevogável. A perseverança é imprescindível para que possamos produzir fruto, pois este depende de tempo, o período necessário para o crescimento e maturidade do ramo. Nenhuma árvore produz imediatamente. Queremos tanto de Deus. Desejamos tantos resultados da nossa fé e das nossas orações. Entretanto, é preciso permanecer ligado a Cristo para que tudo o que Deus tem para nós possa acontecer na ocasião oportuna (15.7,16).

Nessa relação entre o discípulo e Cristo, a Palavra de Deus tem papel fundamental. Observe o destaque dos termos “mandamento” e “palavra” (15.3, 7, 10,12, 20, 25). É através dela que o ramo é limpo. Quem despreza as Sagradas Escrituras acaba cultivando pragas pecaminosas em sua vida. Essa mesma Palavra deve permanecer no coração do discípulo, sendo sempre guardada (15.10), lembrada (15.20), obedecida (15.14) e anunciada (15.20, 27), para que o fruto seja produzido (15.3, 7). Se alguém quiser estar em Cristo sem a palavra, não frutificará, e será cortado e lançado ao fogo. O corte é uma possibilidade concreta que deve ser considerada com temor (João 15.2; Rm.11.20-22).

Jesus disse que o Pai limpa os ramos produtivos para que produzam mais. Nota-se a necessidade de limpeza na vida do cristão (15.2, 3), tratando com seus erros, imperfeições e pecados. A limpeza se dá por meio da poda, que consiste num processo de retirada de tudo aquilo que está desviando a seiva, a energia, a vitalidade da planta, sejam folhas secas, amareladas, murchas, frutos mirrados ou podres. A poda implica em perda, renúncia, para que o fruto novo e sadio possa surgir sem impedimento. Algumas coisas, atividades ou compromissos, ainda que não sejam pecaminosos, podem gastar todo o nosso tempo e energia, de modo que não consigamos nos dedicar a Deus. Isto precisa ser podado.

Embora possua beleza, a videira não é planta ornamental. Além disso, sua madeira não serve para construir casas ou fabricar móveis. Portanto, sua utilidade está em produzir frutos. O cristão só será útil para Deus e para a humanidade se produzir fruto. Não estamos neste mundo como enfeite. Aquele que não produz ocupa inutilmente a terra (Lc.13.7). Aquele que faz o mal, além de inútil, é prejudicial.

Qual é o significado do fruto citado por Jesus?

O fruto do cristão não pode consistir apenas da renúncia ao pecado. Isto é o mínimo que o evangelho pode realizar em nós. Frutificar significa produzir algo positivo. Jesus marcou a história não apenas pelo fato de ter evitado o pecado, mas pela demonstração do amor do Pai pela humanidade através das suas obras.

A produção da videira é sempre plural. O ramo não produz uma uva, mas um cacho ou mais. Da mesma forma, o cristão não pode produzir apenas um traço do caráter de Cristo. Não seria suficiente. O fruto da videira representa tudo o que Jesus espera de nós. O que ele queria dos discípulos? De acordo com o texto, o Mestre esperava que eles guardassem os mandamento, fossem obedientes, se amassem, e permanecessem assim até o fim. Em outras palavras, Jesus queria que seus seguidores tivessem um tipo de vida semelhante à dele, pois este é o propósito do discipulado: que o discípulo seja semelhante ao Mestre, começando por virtudes morais e espirituais. Em segundo lugar, o fruto pode também incluir o resultado do trabalho ministerial. Observe-se a presença do “ide” relacionado ao fruto em João 15.16, bem como o testemunho dos discípulos em 15.27.
Na seqüência das palavras de Jesus, ele enfatiza o amor, que é o primeiro aspecto do fruto do Espírito, sendo a causa de todos os outros (Gál.5.22). Cristo deixou bem clara sua intenção e seu maior desejo em relação aos discípulos:
 
“O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo.15.12).
Se não houver amor entre os irmãos na igreja, como amaremos os que estão lá fora? O amor não deve ser considerado apenas um sentimento, mas uma atitude, resultado de uma decisão, com efeitos práticos. Jesus disse que o maior amor faz com que se dê a vida pelo amado (15.13). Ele mesmo daria a sua vida dentro de algumas horas. Os discípulos também precisavam ter tal disposição, pois quase todos eles dariam suas vidas pelo evangelho alguns anos mais tarde. Amar é dar a vida, ainda que não seja preciso morrer.
O fruto pode ser compreendido como a manifestação do caráter de Cristo em nós, vivendo como ele viveu. Essa relação de semelhança está contida no texto através das expressões: “meus discípulos” (15.8) e “do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor” (15.10) e “assim como eu vos amei” (15.12);
 
“se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa” (15.20).
Frutificar é agir como Jesus agiu, ainda que possamos sofrer por isso. Os frutos pertencem ao agricultor, que é Deus, e serão úteis para muitas pessoas. O fruto não é para o ramo. É para os outros. O propósito de Jesus é que produzamos algo para o benefício do próximo e não apenas para nós mesmos. Frutificar é dar, e não receber. O egoísmo não faz parte da natureza da videira verdadeira. O mais importante na vida de um homem não é o que ele fez por si mesmo, mas o que realizou pelos outros. É fácil contatar isso ao lembrarmos de personagens importantes da história geral. Aqueles que só fizeram por si mesmos foram totalmente esquecidos.
Deus espera uma produção abundante. Jesus fala em “fruto” (15.2), “mais fruto” (15.2) e “muito fruto” (15.5, 8). Não podemos ficar satisfeitos com o que já fizemos para Deus. Ele espera mais. Prova disso é o fato de ainda estarmos neste mundo. Temos o potencial de Cristo em nós para produzir mais. Não podemos parar. Deus quer quantidade e qualidade: “Muito fruto” (15.8) e “fruto que permanece” (15.16).
 
"Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor" (ICo.15.58).
O agricultor é o dono da videira. Ele é o Senhor. Aqueles que trabalham na igreja nunca devem se esquecer de quem é o proprietário, pois a ele hão de prestar contas. O Pai cuida da sua vinha, protege, rega, supre as necessidades, elimina as pragas, limpa, poda. Seu investimento é grande, mas um dia ele virá procurar o resultado.

O agricultor espera o fruto da sua vinha (Tg.5.7). Deus tem expectativas a nosso respeito. Será que colocamos as nossas expectativas em primeiro lugar? Talvez tenhamos uma lista do que queremos do Senhor, mas já procuramos conhecer e cumprir a sua vontade para nós?

O texto mostra que a comunicação e o vínculo entre os discípulos e o Pai passam pelo Filho. Ele é o mediador (15.9, 10, 15, 16, 26). Jesus estava ali representando o Pai. Ele mostra que do Pai vem o amor (15.9), os mandamentos (15.10), o ensinamento (15.15), a resposta das orações (15.16) e o dom do Espírito Santo (15.26). Entretanto, atingindo aos discípulos e também a Cristo, chega ao Pai o ódio do mundo em forma de perseguição (15.18-24). Portanto, o capítulo 15 de João fala sobre as relações existentes entre o Pai, o Filho, os discípulos e o mundo. O amor flui de cima para baixo, mas o contrário nem sempre acontece. O pai ama o Filho (15.9), que ama os discípulos, que devem se amar (15.12, 17) e levar este amor a todas as pessoas do mundo. Entretanto, o mundo os odeia e persegue, pois odiou o Filho e também ao Pai (15.23). Jesus deixou bem claro que a vida dos discípulos não seria um paraíso na terra. A vida cristã provoca o ódio e a perseguição (João 16.1-3). Se vivermos como Cristo viveu, o mundo nos tratará como tratou a Cristo e como trataria o Pai se pudesse vê-lo.

Se os discípulos frutificassem, Jesus ficaria alegre com eles (15.11). E se ele estivesse alegre, eles também se alegrariam porque tudo o que acontece à videira alcança seus ramos. Os cristãos experimentam a alegria de Cristo, apesar das circunstâncias e das perseguições.

O maior propósito da videira, dos ramos e dos frutos é a glória de Deus (15.8). O evangelho e a vida cristã não devem ser usados para a glória humana. “Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito fruto; e assim sereis meus discípulos” (João 15.8).

 

Autor: Anísio Renato de Andrade