A Parábola do Semeador e da semente

Mt 13:3-23

Como essa parábola aparece também com pequenas variações em Marcos (4:3-9,14-29) e em Lucas (8:4-15), é necessário, como já dissemos, comparar e contrastar as referências paralelas à cada narrativa. Desse modo teremos um quadro completo do que o Senhor disse sobre o reino do céu, que não implica o estado glorificado da vida futura, mas "a existência atual de uma comunidade espiritual, da qual Cristo é a Cabeça, composta por todos cujos corações e vida estão sujeitos a ele como Soberano". O Sermão do Monte trata desse mesmo tema, e as parábolas que estão diante de nós devem ser reputadas como um apêndice que ilustra aquele sermão inigualável. No Sermão, Jesus falou abstrata e impessoalmente. Nas parábolas, ele ilustrou com figuras familiares, e fez referência especial aos seus diferentes efeitos produzidos nos homens de disposições diferentes. No Sermão, Cristo foi principalmente retrospectivo; em suas parábolas, ele foi quase inteiramente prospectivo, ao revelar o modo de progresso do seu reino e a natureza da sua consumação. E por isso que o sermão e as parábolas devem ser estudados conjuntamente.

Ao abordarmos um estudo particular das parábolas de nosso Senhor, a decisão do dr. C. G. Lang deve ser apreciada, pois ele preparou o seu livro The parables of Jesus [As pa­rábolas de Jesus], que trata de dezesseis dessas narrativas:

"Seria mera presunção tentar escrever algo sobre as parábolas, sem o auxílio da erudição e discernimento do arcebispo Trench; mas acho melhor não consultar outro comentário". dr. C. G. Lang

Na Parábola do semeador, que Jesus deu como o tipo de todas as outras parábolas que proferiu, e sobre a qual ele pôs os motivos que o levaram a escolher esse método, para atingir o coração e a consciência de seus ouvintes, é fácil imaginar o cenário dessa declaração. Dean Stanley, em Sinai and Palestine [Sinai e Palestina], nos dá uma bela descrição da "Planície de Genesaré", detalhando o cenário dessa primeira parábola. Jesus estava em um barco nas águas azuis do lago e, diante dele, na margem de areia amarela e brilhante, uma multidão de ávidos ouvintes. Ao levantar os olhos, ele viu um semeador na escarpa de uma montanha atrás da praia, que espalhava suas sementes. Os pássaros voavam ao seu redor e o seguiam. Instintivamente, com expresso e vivido realismo, ele pensou em sua presente situação. Ah estava ele a semear a semente da Palavra, e seus discípulos deveriam segui-lo, na pregação e ensino do evangelho; e assim nasceu a Parábola do semeador.

Os três elementos que constituem essa parábola são: o semeador, a semente e o solo. Hillyer H. Straton fala da "regra três" nos contos populares: "Na história infantil há três tigelas de mingau, três cadeiras e três ursos. O mesmo acontece nas parábolas. Três tipos de reação, na Parábola dos talentos; três viajantes, no caminho para Jericó; três tipos de solo e três proporções de crescimento". O dr. Straton também mostra que "a regra dois" opera em algumas parábolas: os dois filhos, os dois devedores, o fariseu e o cobrador de impostos, etc.

Parábola do semeador. Goebel é contra esse título para essa parábola, e prefere chamá-la Os Diversos Solos. "A ideia não é a de certo semeador em particular, que fez assim e assim, diferente de outros, e que agia assim e assim [...] Consequentemente, a pessoa do semeador é irrelevante. A narrativa fala simples­mente do destino da semente plan­tada, dos diferentes tipos de solo onde caiu e dos efeitos correspondentes que produziu [...] a parábola deve ser nomeada com base na semeadura, que é o sujeito, e não sobre uma suposta pessoa em particular". Mas certamente o semeador não é incidental à parábola, pois sem ele não haveria semeadura, nem fruto. A quem, então, Jesus ilustrava quando disse: "O semeador saiu a semear"? O Semeador é uma denotação genérica; e não um indivíduo específico, mas uma classe ou com­panhia. A linguagem subentende qualquer semeador. Não podemos desconsiderar, contudo, que o nosso Senhor direciona a atenção ao Semeador com as palavras: "Escutai vós, pois, a parábola do semeador" (Mt 13:18). Certamente ele sabia como escolher os títulos mais apropriados, não apenas para essa, mas para to­das as suas inigualáveis parábolas.

Jesus usou uma dupla exclamação para a introdução do semeador: "ouvi" e "escutai" (Mc 4:3). "Escutai" designava-se a captar a atenção e era um chamado a ponderar cuidadosamente sobre o que viria a seguir. "Ouvi" significava que o Senhor transmitiria algo de valor incomum. Os discípulos e aqueles a quem Jesus proferia essa parábola foram convidados a olhar e aprender. Verdades profundamente sugestivas e instrutivas seriam reveladas. Antes de tentarmos identificar o semeador, faz-se necessária uma palavra sobre o seu anonimato. A parábola revela quase nada a seu respeito, além do simples fato de que ele realmente plantou a semente. Como já mencionamos, a ênfase na parábola é so­bre a semente e os vários tipos de solo, os obstáculos e as condições para a frutificação. A personalidade do semeador e o método empregado são de somenos importância. O Semeador é adaptável, e possibilita diferentes interpretações.

Deus compara-se a um semeador:
"Semearei a casa de Israel e a casa de Judá com a semente de homens e com a semente de animais" (Jr 31:27).
Que persistente e abundante ele é! Tanto no reino natural como no espiritual, Deus opera majestosamente só; e como semeador, é infatigável em sua tarefa. Ele sabe muito bem que, apesar de muitas sementes caírem à beira do caminho, ao final, haverá uma grande colhei­ta, quando "os reinos do mundo vie­rem a ser de nosso Senhor, e do seu Cristo".

Cristo é também um semeador. O Mestre compara-se e proclama-se O Semeador. Ele não veio "do depósito da infinita beneficência, sabedoria e vida, para semear nessa terra sementes vivas da verdade, santidade e gozo — sementes da lei que produzirão convicção, e sementes do evangelho que produzirão gratidão compreensiva, gozo e amor?" Ele não surgiu como o grande Mestre, o Apóstolo divino do evangelho? Na parábola seguinte, Jesus fala de si mesmo como "o Filho do homem [...] que semeia a boa semente". Outros antes dele agiram como semeadores, ao semearem junto a todas as águas; mas Jesus sabia mais do que todos, como incrustar parábolas como pérolas na linha de seus discursos; e as verdades salvadoras que ele espalhou têm enriquecido o mundo. Em O Semeador, Jesus apresenta um verdadeiro emblema e imagem de si mesmo (Mt 13:37). Esse título é muito apropriado a ele. Butterick diz numa nota de rodapé: "Se a parábola é autobiográfica, a referência imediata pode ser a Jesus". Wellhausen vai mais longe ao dizer que, nessa parábola, "Jesus não está ensinando, mas refletindo em alta voz sobre os resultados dos seus ensinamentos".

Autor: Pr Jonas Neto