Existiu Uma Raça Pré-Adâmica?

 
O livro “Rastros do Oculto”, de Daniel Mastral, contém algumas reflexões sobre a Criação. De início, o autor declara que “este estudo é somente uma possibilidade” e que não se trata de “nenhuma doutrina estabelecida”. Não li o referido livro. Um leitor me enviou o texto citado e solicitou minhas considerações. Vejamos os pontos principais:
 
1 – “É muito provável que Deus tenha criado “vários homens e várias mulheres”, pois conforme o texto acima, descobrimos que Adão não é um nome próprio, mas um termo que designa a Raça Humana. Antes de Gênesis 5, não é citado o termo Adão, mas sempre do “homem” e da “mulher”, até mesmo dando a impressão impessoal que o texto aparentemente cria... quer dizer, poderia ser “qualquer homem” ou “qualquer mulher”. Talvez isso queria dizer que no Jardim – antes do pecado original – não existisse apenas um casal. (Obs.: Leia Atos 17.26)
 
2 – “Em Gn 2.1 ainda há uma referência à Criação, no sétimo dia em que Deus descansou: “Assim, pois, foram acabados os céus, a terra e todo o seu exército”: de plantas, de árvores, de animais e, assim creio, também de seres humanos (não podemos inferir que o exército a que Deus se refere seja o de anjos, porque, primeiro, os anjos já tinham sido criados, aos milhões, muito antes; segundo, porque todo o contexto se relaciona à Criação da Terra e da Raça Humana)”.
 
3 – “Outro detalhe: Depois de expulsos do Jardim, quando Caim matou seu irmão e tornou-se fugitivo pela terra depois de receber uma “marca” de Deus, ele temia que “quem o encontrasse o mataria”; mas Deus disse que ele não seria ferido de morte por quem quer que o encontrasse, visto haver nele uma marca. Quem o matasse seria vingado sete vezes. Isso demonstra que havia mais pessoas vivendo na Terra e não somente a família de Adão, Eva, Caim, Abel”.

Análise
Ainda bem que o autor inicia seu pensamento declarando que não está criando nenhuma doutrina nova. Ele tem todo o direito de divagar, meditar, conjeturar, presumir. O autor diz tratar-se de uma possibilidade, mas não desmente – ainda bem - o ato da Criação e não descamba para o evolucionismo. Todavia, seus pensamentos poderão criar dúvidas em leitores menos atentos. Daí porque cabe à Igreja prestar os devidos esclarecimentos. Analisemos, pois.

Adão não é um nome próprio
Adão, hebraico, Adam, significa homem, ser humano, solo arável e vermelho. Há quem traduza como “homem vermelho”, certamente por causa de sua formação do barro. Ainda que Deus não tenha dito formalmente que iria fazer um homem chamado Adão, este nome é designativo de nome próprio em outras passagens. Deus trouxe os animais a Adão (Gn 2.19); o Senhor fez com que Adão ficasse adormecido (v. 21); Adão recebeu com alegria a mulher que lhe fora apresentada, e deu-lhe o nome de Eva (2.23); o Apóstolo cita dois nomes próprios ao dizer que “a morte reinou desde Adão até Moisés” (Rm 5.14), e declara, sem rodeios, que o primeiro homem a ser criado foi Adão, isto é, chamou-se Adão (1 Co 15.45; 1 Tm 2.13). Logo, Adão não pode ser um termo genérico designativo da raça humana. Poderia o Apóstolo ter dito “a morte reinou desde a raça humana até Moisés?”.

Antes do pecado original não existia apenas um casal no Éden
Se existiam muitas famílias no Éden antes da desobediência de Adão e Eva, por que não continuariam existindo depois da queda? Teriam virado anjos? Foram exterminadas? O autor apresenta Atos 17.26 certamente numa das versões que diz: “De um só [Deus] fez toda a geração dos homens para habitar sobre toda a face da terra...”. À vista disso, Deus teria criado de uma vez toda a geração dos homens, milhares de casais, cada homem com sua respectiva companheira. Ocorre que a versão Corrigida FIEL (Trinitariana), assim registra Atos 17.26: “E de um só sangue [de um só ou por um só homem] fez toda a geração dos homens...”. Foi um descuido lamentável, não do Criador, mas do senhor Mastral.

Todo o exército foi criado de uma só vez
O autor usa Gênesis 2.1 como prova de que Deus criou uma multidão: “Assim, os céus, e a terra, e todo o seu exército foram acabados”. E explica: “Assim, pois, foram acabados os céus, a terra e todo o seu exército”: de plantas, de árvores, de animais e, assim creio, também de seres humanos (não podemos inferir que o exército a que Deus se refere seja o de anjos, porque, primeiro, os anjos já tinham sido criados, aos milhões, muito antes; segundo, porque todo o contexto se relaciona à Criação da Terra e da Raça Humana)”.
 
Primeiro, a raça humana não se insere no contexto sob comentário. O “exército” concluído e acabado compreende luz, águas, terra, ervas, astros e animais. Depois, Deus “formou o homem do pó da terra” que já havia sido criada. Não foi tudo criado juntamente, de uma só emissão. O autor confundiu-se em suas meditações porque entendeu que a palavra “exército”, de Gênesis 2.1, incluísse a raça humana. Inadmissível tal possibilidade. A Palavra está fazendo referência ao que fora criado até aquele momento. Observem:
 
“Outro significado da expressão “exército do céu” (e similares) diz respeito às “estrelas inumeráveis”: “Como não se pode contar o exército dos céus, nem medir-se a areia do mar, assim multiplicarei a descendência de Davi, meu servo, e os levitas que ministram diante de mim” (Jr 33.22). Esta expressão abrange todos os corpos celestes, como ocorre em Salmos 33.6: “Pela palavra do SENHOR foram feitos os céus; e todo o exército deles, pelo espírito da sua boca”. Em Gênesis 2.1, tsãbã compreende os céus, a terra e tudo na Criação: “Assim, os céus, e a terra, e todo o seu exército foram acabados” (Dic. VINE, p. 122).

Caim tornou-se fugitivo
Caim se levantou contra seu irmão Abel e o matou (Gn 4.8). Mas Deus colocou um sinal em Caim para que ninguém o ferisse por causa disso (v.15). Quem mataria Caim, se somente ele e os pais existiam? Assim, Daniel Mastral acha possível a existência de mais pessoas naquele período.
 
A família de Adão, que morreu aos novecentos e trinta anos, não se restringiu a Caim e Abel. A genealogia deste capítulo enumera a geração a partir de Sete, nascido quando Adão tinha apenas cento e trinta anos. Depois disso, Adão gerou “filhos e filhas” em número não revelado (5.4). Portanto, durante oitocentos anos o casal Adão e Eva gerou muitos filhos, homens e mulheres. Desse modo, um irmão ou sobrinho poderia tirar a vida de Caim, castigo do qual ele próprio se julgava merecedor (4.14). Quando ocorreu o fratricídio, Abel e Caim eram adultos; o primeiro pastor de ovelhas; o segundo, agricultor (4.2). Na suposição de que esses irmãos tivessem em torno de vinte anos de idade, é possível admitir que não existissem naquela época apenas Adão, Eva, Abel e Caim.
 
Daí porque consideramos que “não há necessidade de supor a existência de alguma raça pré-adâmica aqui. As palavras de Caim – `serei fugitivo e errante na terra, e será que todo aquele que me achar me matará´ - são suficientemente explicadas ou pela ira vindicativa de seus irmãos mais jovens, de quem ele com justiça poderia ficar temeroso, ou pela sua própria imaginação aterrorizada” (O Novo Comentário da Bíblia, vol. I, p. 88).
 
Criar multidões de uma só vez seria criar necessidades imensas para um povo sem condições de atender suas necessidades básicas. Com sabedoria, Deus criou apenas um homem e uma mulher, instituiu o casamento e ordenou que crescessem e se multiplicassem. Por isso, a humanidade foi crescendo aos poucos e aos poucos criando as condições necessárias à sua sobrevivência.
 
Portanto, não tem amparo bíblico a tese da existência de uma comunidade antes de Adão. A Bíblia é bem clara quando diz que o primeiro homem foi Adão (1 Co 15.45; cf 1 Tm 2.13).
 
Autor: Pr. Airton Evangelista da Costa