Sepulcros Caiados


A mais nova notícia é a de que a Polícia Federal investiga oitenta deputados por desvio de verbas do Ministério da Saúde. A quadrilha atua há vários anos. O montante do rombo seria da ordem de R$110 milhões. O número dos envolvidos, só nesse escândalo, representa quase vinte por cento da Câmara. Se adicionarmos os quarenta envolvidos no “mensalão”, o percentual chega perto dos 30%.

Não estamos falando de delinqüentes comuns, ladrões anônimos, fraudadores da Previdência, ladrões de galinha. Estamos nos referindo a homens que ganham acima de cem salários mínimos, se considerados adicionais e benefícios diversos. A ação dessas quadrilhas é facilitada porque seus integrantes fazem parte da cúpula; estão no centro das decisões; possuem imunidade parlamentar; são exímios conhecedores dos diversos processos de liberação de verba, dos trâmites governamentais, dos escaninhos da máquina administrativa, e assim podem praticar à saciedade o conhecido tráfico de influência, e se locupletarem, sem serem molestados.

Como cidadão brasileiro tenho o direito de manifestar, sem conotação partidária, minha indignação e repulsa a tais crimes contra o erário. Não só indignação, mas desânimo.  A história das punições nos mostra que pouquíssimos homens do colarinho branco estão sofrendo punição carcerária. Mostra-nos também que é insignificante o número dos que tiveram seus bens confiscados e/ou devolveram o produto do roubo.

Ainda bem que é muito grande o presídio criado por Deus para o diabo e seus anjos, e para os ladrões do dinheiro público. O inferno não pode ser pequeno para caber tantos miseráveis pecadores, miseráveis roubadores, miseráveis parlamentares que deveriam ser exemplo de moralidade administrativa; deveriam ser irrepreensíveis para que neles os jovens se espelhassem.

Vendo-os na Câmara ou nos palanques, de terno e gravata impecáveis, com seus colarinhos bem engomados e alvos como a lã; cabelos bem cuidados; voz impostada e às vezes trêmula; corretos nos pronomes de tratamento “vossa excelência” e “vossa senhoria”; não menos cuidadosos na aplicação das normas gramaticais. Vendo-os assim, o povão simples e crédulo pensa logo que está diante de um santo. A imagem angelical mais se acentua quando os vê sentados na primeira fila dos templos religiosos, em solenidades de casamento ou de sufrágio de almas.

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade” (Mt 23.27-28).

Por fora, simpatia, sorrisos e limpeza; por dentro, sujeira, mentira, ganância, roubo, injustiça, podridão moral, promiscuidade, sordidez.

Esse é o quadro, aliás, a amostra, uma ponta do grande iceberg imerso no oceano da corrupção nacional.

Nota: Esse artigo foi escrito em 2006. A quadrilha está presa? Os valores desviados foram recuperados? Ninguém sabe ninguém viu. Caiu no esquecimento.


Autor: Pr. Airton Evangelista da Costa